terça-feira, 13 de maio de 2008

MEMÓRIAS DE WILSON DIAS

FILOSOFIA DE VIDA

- Memórias de Wilson Dias -

Como me Apresento

Atualmente, sou terapeuta holístico, jornalista e escritor. Sou natural de Casa Nova, uma cidade baiana situada à margem esquerda do rio São Francisco, cerca de 70 quilômetros de Juazeiro. Mas, meu pai me registrou como filho de Sento Sé. Então fica assim: sou casa-novense de nascimento, sento-seense de registro, e juazeirense por adoção.

Meu sonho era ser escritor, e terminei desenvolvendo essa profissão; o meu primeiro trabalho literário foi o livro intitulado História da Imprensa Juazeirense, publicado em 1982. Nesta obra, fazemos uma apologia do desenvolvimento da imprensa falada e escrita de Juazeiro e Petrolina. Mas, eu comecei a escrever um livro em 1976, o qual foi publicado 20 anos depois sob o título Origem e Destino da Humanidade (à luz da Bíblia).

Um ano depois da publicação de História da Imprensa Juazeirense; sob auspícios do Sedic (Secretaria de Desenvolvimento Industrial do Comércio), órgão ligado ao Governo do Estado da Bahia, que tinha à frente o atual deputado federal, Jorge Khoury, então Prefeito do Município de Juazeiro, brindamos à família baiana, com o livro Os Remeiros do São Francisco. Este trabalho foi escrito em homenagem ao meu pai, Roque José da Silva, que contribui para o progresso da região do Grande Vale impulsionando as barcas do São Francisco a troco de buracos no peito.

Em 1985, sob auspícios da CODEVASF e, respectivamente, do Ministério do Interior, publicamos o livro O Velho Chico – Sua Vida, Suas Lendas e Sua História. Este livro foi premiado pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Bahia como o “melhor trabalho literário já escrito sobre a região do São Francisco”. Pela sua importância na educação baiana, O Velho Chico foi inserido no ensino de primeiro e segundo graus, no que se refere ao tema: Geografia da Região do Vale do São Francisco. Este mesmo tema é parte integrante dos quesitos de testes para o Vestibular do ensino baiano.

O livro Origem e Destino da Humanidade (à luz da Bíblia), publicado em 1996, é minha obra-prima, pois levei 20 anos pesquisando para fazer essa publicação. Trata-se de um trabalho que envolve escatologia, antropologia, história bíblica e universal. Todos os pastores de igrejas denominacionais que adquiriram este trabalho literário, têm ligado para este que vos escreve, tecendo elogios, ao tempo em que nos parabenizam pelas datas históricas que em muito tem os ajudado em seus sermões. Enfim, é um livro cheio de curiosidades em todas as áreas do saber humano.

Ainda em 1996, eu editei mais dois livros – A Nova Era e a Fé Cristã, e Projeto Melhorando a Saúde. O primeiro faz uma apologia sobre o movimento da Nova Era e a confusão gerada em torno desse assunto no meio religioso. O segundo mostra os meios pelos quais as pessoas podem melhorar sua qualidade de vida usando uma alimentação à base de vegetais, sem a mancha da carne.

Em 1997, editei mais dois livros. Um deles foi: O Ano 2000 e o Fim do Mundo, no qual retratamos os acontecimentos que marcarão o fim da história terrestre e a entrada para a eternidade com o segundo advento de Cristo. O outro é mais polêmico – Câncer tem Cura? – que mobilizou a classe médica em Juazeiro e Petrolina. Toda imprensa local e do Estado fez questão de fazer a divulgação deste trabalho literário que, por certo, ajudou, e continua ajudando muita gente no sentido de esclarecer e mostrar o meio mais correto de prevenir e tratar o câncer. A sua publicação contou com apoio da CODEVASF, como também da Joalina Transportes, na pessoa do empresário Eurico de Sá Cavalcante, o popular “Leãozinho”, uma das maiores personalidades políticas de Petrolina.

Mas, o livro mais polêmico e mais lido que eu lancei, foi Saúde Plena – Guia Prático, publicado em 2002, com três edições, perfazendo um total de 20 mil exemplares vendidos. Três anos mais tarde, em 2005, publiquei outro livro – Dietoterapia – que ensina como comer de acordo com o tipo de sangue de cada indivíduo. Este último continua em evidência, pois a sua tiragem foi da ordem de 30 mil exemplares.

Wilson Dias da Silva.

Introdução

Desde 1976, que venho escrevendo livros, boletins, panfletos e artigos para jornais e revistas, não somente para os que são editados em Juazeiro e Salvador, mas também, tenho escrito para a grande imprensa da região Sudeste do País. Há anos, que venho imaginando um meio de deixar para meus filhos, netos e bisnetos, um documentário sobre minha vida. Então, nasceu-me a idéia de escrever este livro de Memórias.

Trata-se de um trabalho literário que conta toda a minha vida, sem censura, desde a minha infância até os dias atuais. Este livro em que procuro rememorar, com o máximo de fidelidade e o mínimo de fantasia, narra fatos marcantes de minha época de garoto pobre, oriundo de família humilde – em linguagem simples, ao alcance do entendimento não somente de intelectuais, como também, de gente humilde de cultura mediana.

Os fatos rememorativos, narrados neste livro, desde os meus dois anos de vida, vão por conta de minha memória. Diante disto, é bem provável que alguns dos meus familiares poderão encontrar lapsos na descrição de certos acontecimentos.

Como disse anteriormente, sem censura, venho rememorando a minha adolescência, a minha conversão, o meu casamento, a minha vida religiosa, a minha vida profissional e as dificuldades enfrentadas na religião para introduzir na mente dos guardadores do sábado a necessidade de mudar seu estilo de vida no comer, no beber, no vestir, no agir e na forma de adorar o Criador do universo. Estou imbuído nessa luta de abrir a mentalidade arcaica do povo da minha igreja desde 1968, três anos após ter sido recebido no movimento adventista pelo batismo por imersão.

Na elaboração deste trabalho tive o máximo de cuidado para não ferir a susceptibilidade dos pretensos líderes religiosos; todavia, há casos em que não me foi possível evitar. Quanto ao povo que professa o cristianismo, este está desejoso de obter a salvação, só não sabe ao certo como alcançá-la, porque os líderes religiosos estão preocupados apenas em encher suas igrejas, mas não estão preparando ninguém para a eternidade. Este preparo requer renúncia do eu e do apetite pervertido, além de sacrifícios. Nada disso é ensinado pelos pretensos líderes de igreja, pois eles estão preocupados é com o que vai render de dízimos e ofertas.

Deus, pela misericórdia que Ele tem para com Seu povo sincero, que se encontra em todas as denominações do mundo religioso, suscita vez por outra, entre eles, os chamados “reformadores”, para promover reformas, melhorando a qualidade de vida das pessoas, com o objetivo de e prepará-las para a vinda do Senhor. Cheios de despeito e ciúmes, os líderes jogam contra esses reformadores os membros das igrejas, sob a alegação de que eles são “fanáticos” e “inimigos da religião”. Com Jesus também foi assim. Os líderes da igreja judaica acusaram o Mestre de prática de “sortilégio” – o mesmo que feitiçaria -, somente porque Ele efetuava curas sem o uso de drogas medicamentosas e expelia demônios de uma forma sobrenatural. Ele aturou pacientemente a hipocrisia, o formalismo, a perseguição e os ataques blasfemos dos fariseus de Sua época. Mas, chegou um momento em que o Mestre teve que desabafar chamando os fariseus e saduceus de “raça de víboras”.

Este livro não é meramente rememorativo; é também uma coletânea de temas variados, envolvendo as áreas de história, antropologia, religião, medicina e assuntos escatológicos.

O Autor,

Minha Infância

(Período compreendido de 2 a 12 anos de vida)

Quando me entendi como gente eu tinha dois anos de vida. Lembro muito bem quando cheguei a Juazeiro, em companhia dos meus pais. A casa em que adentramos para morar fazia parte de um conjunto de dez habitações ligadas em meia-parede uma à outra. Refiro-me à Rua Tiradentes, no bairro Santo Antônio. Senti que aquela rua me era ideal, porque tinha muita areia para a gente brincar. A rua não tinha calçamento nem asfalto, o que prevalecia era a areia, onde ficávamos à vontade, se envolvendo com a terra fria. Como não havia esgoto a céu aberto, era afastada a possibilidade de contaminação da terra onde brincávamos.

Antes de meus pais virem a Juazeiro, morávamos na cidade ribeirinha de Casa Nova, onde fui parido por minha mãe. Chegamos a Juazeiro pelo rio São Francisco, a bordo de um vapor que singrava as águas do “Velho Chico” partindo da cidade mineira de Pirapora. Essa possante embarcação saia de Pirapora, descendo o rio de “barbas brancas”, fazendo paradas em todos os portos, onde havia uma povoação, pegando e deixando passageiros e mercadorias.

Onde hoje é a barragem de Sobradinho existia uma grande corredeira com seis quilômetros de extensão, que tinha a denominação de Cachoeira do Sobrado. Essa corredeira era muito acidentada, cheia de pedras enormes, e o vapor tinha dificuldade para navegar no referido trecho, isto porque, era forte a correnteza das águas que fazia muito barulho. Eu me encantei com as enormes pedras através das quais, as águas corriam velozmente; então, aproximei-me da borda do navio, onde eu tentava tocar os lajedos por onde a embarcação passava roçando. Nisso, minha mãe percebeu que eu estava correndo o risco de cair nas águas por causa do balanço do navio, e, aos gritos, colheu-me em seus braços, passando a ter um maior cuidado, temendo que eu voltasse a fazer uma nova tentativa de tocar as pedras por onde a embarcação passava com dificuldade.

Quando chegamos a Juazeiro, fiquei abismado com tanta embarcação no porto, como também, com tanta gente vendendo e comprando pães, bolos, cocadas, beijus, tapioca, rapadura, peixe seco, carne de jacaré etc. Essa feira era realizada no porto toda vez que chegava uma embarcação. A população corria para o porto, atraída pelo possante apito do vapor, para ver a embarcação chegar. A chegada de um navio da FRANAVE era motivo de festa, não somente em Juazeiro, como em todas as cidades ribeirinhas ao longo do rio por onde o barco passava cheio de turistas. A chegada dos meus pais a Juazeiro foi por volta de 1951, quando a Ponte Presidente Dutra estava sendo construída.

Filho de Remeiro

Meu pai era remeiro do São Francisco. Ele era contratado pelos donos de barcas movidas à vara, as quais transportavam mercadorias de Juazeiro para a cidade mineira de Januária e vice-versa. Cada embarcação abrigava até 15 remeiros, e transportava até 30 toneladas de mercadorias. As barcas subiam o rio com produtos manufaturados, como querosene, café, açúcar, sal, farinha de trigo, bolachas etc., e desciam transportando cana-de-açúcar, carne de sol, peixes secos, carne de jacaré, frutas e grãos. Essas barcas eram movidas a custo de varas sobre o peito dos remeiros. Ao final de um dia de labuta, os remeiros encerravam suas atividades com o peito dilacerado, sangrando, por conta da ponta da vara que era usada para impulsionar a embarcação. O ferimento do peito era tratado com toucinho quente: o remeiro deitava com as costas sobre a areia alva da margem do rio, e o dono da barca esquentava o toucinho de porco sobre brasas; quando a gordura estava pingando sobre as brasas, era o momento de aplicar sobre o peito dilacerado do remeiro, que soltava um grito horrendo, de dor, que era ouvido na outra margem do rio. Mas, no dia seguinte, ele teria que executar o mesmo trabalho, começando por volta de cinco horas da manhã. Ao voltar às atividades de remeiro, logo cedo, quando a vara era forçada contra o fundo do rio, para impulsionar a embarcação, a ferida reabria, e um filete de sangue descia pela vara desde o peito do remeiro até às águas do caudal. Ao anoitecer, depois de um mergulho nas águas do “Chicão”, o remeiro era submetido ao mesmo tratamento do toucinho quente sobre o ferimento do peito. Essa era a vida dos remeiros do São Francisco, antes de o progresso chegar à região do Grande Vale.

Mamando nas Cabras

Quando faltavam mercadorias, os remeiros “tocavam” roça. Meu pai, por exemplo, tinha uma área agricultável no povoado do Rodeadouro, onde ele tinha um criatório de caprinos. Vez por outra meus pais nos conduziam ao referido povoado, onde passávamos semanas e até meses, cuidando do criatório. Eu aproveitava para mamar nas tetas das cabras. Eu me infiltrava entre os cabritinhos e, engatinhando, eu berrava – “bééé!!” - imitando os filhotes das cabras, as quais permitiam que eu entrasse debaixo da teta e mamasse até me fartar.

Talvez pelo fato de até hoje gostar de leite de cabra, meus ossos e pulmões são fortes. Enquanto o leite de vaca causa alergias em geral, especialmente às de origem respiratórias, como asma, rinite, sinusite, bronquite asmática etc., o leite de cabra combate e previne qualquer tipo de alergia. Toda criança criada tomando leite de cabra tem uma constituição forte organicamente falando. O leite de cabra ou de jumenta preta é o melhor remédio para os casos de alergia respiratória, por isso que até hoje eu “mamo em cabras” quando tenho oportunidade de adquirir o leite. Se você consome leite de origem animal, indiretamente está mamando pela prole, ou seja, tomando o lugar do bezerro e do cabrito.

O leite de vaca é rico em proteínas, gorduras e cálcio, mas o leite de cabra é mais saudável e tem três vezes mais cálcio que o leite de gado. A ciência médica descobriu que o leite de vaca gera colesterol, o inimigo principal da nossa saúde. Até aos 11 anos de vida, o organismo de crianças e mulheres têm o poder de absorver os depósitos de gordura nas artérias, por causa dos hormônios que elas possuem. As mulheres, por sua vez, devem continuar consumindo leite até à velhice, para prevenir a osteoporose, mas que seja leite de cabra, porque o de gado faz perder o cálcio pela urina, depois da idade de 11 anos de idade. Isto, porque, a partir dessa idade, o nosso organismo perde o poder de proteção contra as gorduras oriundas de determinados alimentos, especialmente do leite de vaca; então, o excesso das gorduras é depositado nas paredes das artérias, gerando o colesterol e a arteriosclerose. Portanto, mantenha uma alimentação pobre em gorduras, pois essa é a chave do nosso bem-estar físico e mental.

Acidentes na Infância

Lembro-me que certa feita, no Rodeadouro, meu pai estava fabricando sabão caseiro. Sendo eu muito “traquino”, fui “mexer” uma porção quente de soda cáustica e, acidentalmente, a solução caiu sobre a minha barriga, comendo parte do meu abdome; os intestinos chegaram a aparecer. Pela misericórdia de Deus, sobrevivi. Em outra ocasião, em fins de 1957, quando eu estava um pouco crescido, beirando os nove anos de idade, fui visitar o meu avô Januário, pai do meu pai, em Casa Nova, minha terra natal, onde ele tinha uma grande roça na ilha. Subi numa árvore para tirar uma fruta, não me lembro que árvore era. Só sei que caí da árvore, de ponta-cabeça, sobre um toco de pau, vindo a perder os sentidos; também, ainda não foi dessa vez que deveria morrer. Lascas de pau adentraram o alto da minha cabeça, o que causou infecção. Durante muito tempo, até a idade adulta, eu sentia fortes dores de cabeça, da qual saía muito pus pelo ferimento. Minha mãe sempre me conduzia aos médicos, que apenas receitavam antibióticos e curativos, mas nunca retiraram as lascas de pau que podiam ser sentidas com o toque do dedo.

Inúmeras vezes eu perdi os sentidos dentro do banheiro enquanto me banhava; uma conseqüência natural da queda de ponta-cabeça sobre o toco. Quando tomava antibiótico, o ferimento da cabeça se fechava, mas os dentes enfraqueciam e apodreciam na boca. Por conta das fortes dores de cabeça que eram freqüentes, no momento dos banhos diários, às vezes que eu colocava a cabeça sob o chuveiro, me sentia aliviado; mas acontecia de vir a desmaiar. Fiquei livre do problema somente em

1990, com a aplicação de argila sobre a cabeça. A mistura de argila e cebola ralada com tomate e repolho puxou toda a substância mórbida que estava em minha cabeça – sangue pisado com pus e lascas de pau. Nessa época, eu cursava Medicina Natural, em São Paulo. Foi pela Medicina Natural que obtive melhor qualidade de vida e aprendi como prevenir as enfermidades e me libertar das dores e da infecção do couro cabeludo, depois de 33 anos de sofrimento.

Voltando ao acidente, na mesma semana que eu caí de ponta-cabeça da árvore, em 1957; inventei de cortar um feixe de capim com o facão do meu avô Januário. Resultado, “meti” o facão na canela; foi muito sangue derramado que eu fiquei assombrado. Agora, eram dois ferimentos, um no alto da cabeça, e outro na canela da perna esquerda. Os ferimentos foram tratados com sal e pó de café. Senti muita febre, e meus avós me conduziram a uma rezadeira que, mediante rezas e benzeduras, passava sobre os ferimentos e todo o meu corpo ramos de arruda, enquanto pitava um cachimbo com fumo bruto, cuja fumaça me deixava incomodado.

Pescaria Cômica

Na semana seguinte, ainda na cidade de Casa Nova, aconteceu algo engraçado: o meu avô convidou-me para uma pescaria. Ele jogaria a tarrafa sobre as águas, e eu vogaria a canoa com um remo. Só que eu não tinha experiência de remo. Quando ele lançou a tarrafa, sem querer, balancei a canoa, fazendo o vovô perder o equilíbrio. E, num abrir e fechar de olhos, ele caiu no leito do rio com tarrafa e tudo, sumindo nas águas. Como eu não tinha maldade, desatei a sorrir com gargalhadas sem parar. Meu avô entrou na canoa e, indignado, só deu um puxãozinho de orelha em mim, mas continuei me divertido com a cena que eu teria presenciado.

Terminada a pescaria, rumamos para a casa de vovô. Chegando próximo de sua casa, eu corri na frente para contar aos meus tios e a minha avó o que teria acontecido. E todos se riram do meu avô que não ficou em nada satisfeito. Ele, com voz trovejosa, dizia assim: “Esse moleque ma derruba da canoa, e depois fica “caçoando” de mim. Quando eu for a Juazeiro vou contar pro Roque, para ele lhe castigar”. Mesmo sabendo que eu seria castigado pelo meu pai, mas não havia meio de me controlar. Quando eu olhava para meu avô, me lembrava da pescaria e dava umas boas gargalhadas sem parar. Nos primeiros dias ele ficava furioso; mas, com o tempo, ele foi aceitando, e terminou por gargalhar comigo, quando eu dizia: “Então, vovô... a canoa em balançou, e o vovô, tibungo na água”!

Guia de Cego

Quando vovô Januário me trouxe de volta a Juazeiro, ele contou para o meu pai as “traquinagens” que eu teria feito em Casa Nova. Naquele momento meu pai sentenciou: “A partir de hoje você vai trabalhar, para deixar de ser traquino. Essas coisas são frutos de mente desocupada”. Então ele providenciou o meu primeiro emprego, antes de eu completar nove anos de idade. Nesse meu primeiro emprego, eu ganhava uns tostões para guiar, pelas ruas de Juazeiro, uma ceguinha conhecida como “dona Blandina”. Eu a guiava, e ela esmolava; dizia assim: “Uma esmola pra ceguinha Blandina”!!

Eu conhecia, em Juazeiro, um senhor que todos o tratavam como “Seu Antônio do Cachorro Quente”. Eu conduzia todos os dias dona Blandina, até a banca de cachorro quente do Sr. Antônio. Meu interesse de levar a ceguinha à banca do Sr. Antônio era para eu comer o pão recheado de carne moída com suco de essência de frutas. Na época, para mim era uma delícia, e a ceguinha também gostava. Além do cachorro quente, eu “pegava” marmita no Hospital Regional, todo meio-dia, para a ceguinha, que dividia a comida comigo. Eu gostava da comida do Hospital Regional de Juazeiro, porque tinha muita carne de charque; era uma comida muita gordurosa, o meu prato predileto, nessa época. Eu apreciava comer carne gorda ou tutano de boi com farinha de mandioca, feijão e rapadura. Minha mãe denominava meu prato de “angu”. (Este assunto continua no capítulo: Minha Adolescência).

Mergulho no Cascalho

Certa feita eu subi em uma pilastra de uma casa em construção, na tentativa de alcançar o topo. A pilastra era de tijolos, e veio a cair; meu pé direito recebeu todo o impacto, e durante várias semanas padeci com o pé inchado, sem poder andar. Era muita dor que eu sentia, e não conseguia dormir por algumas noites! Fiquei curado com um “tratamento da chaleira de água fervente”, sobre a qual minha mãe colocava uma toalha na forma de rodilha e, sobre esta, apoiava o meu pé doente, o que contribuía para aliviar as dores.

Outra ocasião, na idade de 10 anos, eu fui dar um mergulho no rio São Francisco, no porto onde atualmente existe o monumento “M” do então prefeito Misael, em frente à Rádio Juazeiro. Eu não conhecia bem aquele trecho, pois esta era a primeira vez a mergulhar neste local. Sem que antes fizesse um reconhecimento do trecho, fiz a carreira para mergulhar de ponta-cabeça, achando que era fundo o local, e “meti” a cara no cascalho do fundo do rio provocando ferimentos em todo o rosto. Sai das águas aos gritos de dor, com a cara sangrando muito. Foi aquele “Deus me acuda”!

Minha Adolescência

(Período compreendido de 12 a 19 anos)

A minha adolescência não foi em nada diferente da infância... Sempre vivi envolvido com o trabalho. O meu primeiro emprego de infância, como disse anteriormente, foi de “guia de cego”, até aos dez anos de idade. Eu era pago para guiar, pelas ruas de Juazeiro, uma ceguinha de nome dona Blandina, que era sustentada pelas esmolas que conseguíamos da parte de pessoas de boa vontade.

Trabalho Escravo

Como dona Blandina estava velhinha, ela veio a falecer. Então eu perdi o emprego de “guia de cego”. Meu pai era chefe de um depósito de couros e peles, da Empresa João César. Ele me conduzia todos os dias ao depósito, onde eu ajudava os trabalhadores, arrastando couros de bovinos e peles de caprinos e ovinos, para expô-los ao sol. Além de estender couros e peles, eu tinha que encher grandes tanques suspensos de dois depósitos da Empresa, com água que eu teria de colher no rio São Francisco, diariamente. Naquela época Juazeiro não tinha água encanada. A população da cidade colhia a água do rio. Com duas latas vazias de querosene penduradas por cordas presas às extremidades de uma vara espessa, eu as enchia de água, no rio, e teria que conduzi-las subindo uma ladeira arenosa; depois, teria que subir uma escada de madeira no interior dos depósitos, para despejar a água dentro do tanque até encher. Era uma vida muito dura comparada a trabalho escravo; eu só parava de trabalhar quando ia à escola. Quando eu vestia a farda, dava um UFA! de alívio. Por conta de pegar muito peso na adolescência, fiquei com problemas sérios de coluna, como também, de varizes. Fiquei livre destes problemas depois que conheci e pratiquei a Medicina Natural e a Ginástica Terapêutica.

Durante o dia meu pai trabalhava na chefia do depósito, e à noite montava vigilância para aumentar sua renda. Só que na verdade ele não vigiava nada. Ele saia com os amigos para curtir, pois era mulherengo, e eu ficava sozinho com dois cães valentes e um revólver calibre 38. Eu tinha por volta de 1l anos de idade. Mas, não demorou muito para a empresa abrir falência. Diante da falência da Empresa, eu achei que teria descanso, e a partir daquele momento eu dedicaria meu tempo somente à escola. Muito cedo eu pensava ser um escritor. Entretanto, a vida dura de cativeiro que eu levava não me dava tréguas.

Carvoeiro e Oleiro

Quando a Empresa João César abriu falência, meu pai nada recebeu de indenização. Então ele buscou “ganhar a vida” fabricando carvão de lenha, na região da Serra da Batateira, onde atualmente é o bairro João Paulo II. Ali, ele construiu um casebre e fez uma chácara cercada, colocando o nome dele – Chácara São Roque – Ali, ele plantava, e de tudo dava. Ele pediu-me, então, para ajudá-lo. Com uso de machados, arrancávamos tocos, na caatinga, para fabricar o carvão. Ele tinha dois jegues, os quais eu usava para transportar as sacas de carvão, para vender pelas ruas da cidade. A essa altura eu completava com 12 anos de idade. Quando abri os olhos, vi que tinha sido transformado em carvoeiro, ou vendedor ambulante de carvão. Eu saía pelas ruas de Juazeiro, “tocando” dois jegues carregados de sacas de carvão de lenha; eu gritava: “Olha o carvão”! “Olha o carvoeiro”!

No período do inverno não era possível retirar lenha para o fabrico do carvão; então eu trabalhava na olaria do comerciante Ulisses, fabricando tijolos e telhas. Minhas mãos eram cheias de calos; eu tinha vergonha delas, porque estavam estouradas por causa do cabo do machado e dos tijolos quentes que eu retirava do forno. Nessa época eu já pensava ter uma namorada, mas minhas mãos eram tão grotescas, cheias de calos, parecia mais uma lixa, e eu não me habilitava tocar a mão de alguma garota. Tinha também a questão de ser carvoeiro e fabricante de telhas e tijolos, atividades dignas de um trabalhador, mas humilhante para um jovem que pensa ter uma namorada.

Jornaleiro-Mirim

Minha mãe se condoeu do que eu vinha padecendo. Trabalhava duro e sem descanso; meu pai era quem recebia o meu salário das mãos do Sr. Ulisses, o proprietário da olaria. Então, ela providenciou outro emprego menos sacrificante, e conseguiu com as irmãs, Beta e Belita Café, uma atividade de “jornaleiro-mirim” para eu vender exemplares do jornal “A Tarde”, pelas ruas de Juazeiro. As duas irmãs solteironas residiam ao lado da igreja Matriz de Juazeiro, à Praça da Bandeira. Elas recebiam pacotes do jornal via Empresa de Transporte São Luiz, por volta de 14 horas, diariamente, e este era distribuído no centro comercial local através de quatro jornaleiro-mirins, que disputavam a venda do matutino pelas ruas da cidade. Um dos vendedores-mirins de "A Tarde", em Juazeiro, era este que vos escreve.

Eu tinha 12 anos de idade, quando, em 1961 comecei a vender o jornal "A Tarde" no centro comercial de Juazeiro. Atuei como jornaleiro-mirim até o dia 15 de novembro de 1965 quando, na ocasião, as irmãs, Beta e Belita Café, perderam a representação do jornal para o engenheiro-agrônomo e empresário Moacir Mesquita Lopes. Antes da vinda da Empresa São Luiz, "A Tarde" chegava a Juazeiro pelos trilhos da rede ferroviária. Somente a partir de 1966, com a inauguração de sua sucursal, em Juazeiro, "A Tarde" passou a chegar à cidade em transporte próprio.

Mais tarde, no início da década de 80, eu fui contratado pelo jornal “A Tarde”, para o qual eu havia atuado como “jornaleiro-mirim” no período de 1961 até 1966. Agora, na condição de repórter, trabalhei para este jornal como correspondente em Juazeiro, por cerca de quatro anos. A sucursal do jornal “A Tarde” foi inaugurada em Juazeiro no dia 30 de janeiro de 1966, sob a gerência do empresário Moacir Mesquita Lopes.

A iniciação religiosa

As camas das crianças do meu tempo tinham grades de proteção e brinquedos de várias cores que se soltavam com facilidade. Éramos orientados por nossas mães para nos ajoelharmos ao pé da cama para “orar a papai do céu” antes de dormir. A oração era feita religiosamente, todas as noites. Depois da “reza” como dizia nossa mãe, tínhamos que pedir a benção estirando a mão direita, dizendo: “Abença papai... Abença mamãe!”. E a resposta era: “Deus lhe abençoe, filho! Durma com os anjos!”.

Na manhã seguinte, ao despertar, voltávamos a pedir a benção dos nossos pais. Hoje, pedir a benção dos pais, tios ou avós é considerado como uma “cafonice”.

O desjejum

Normalmente, acordávamos com beijinhos carinhosos da mamãe, que dizia carinhosamente: “Acorda meu anjo... é hora de ir para a escola!”. Depois de um afetuoso abraço da mamãe, ela nos determinava escovar os dentes e tomar um banho frio, fazendo a seguinte recomendação: “molhe primeiro os pulsos e os tornozelos, ta?!”.

Depois do banho nos era servido o desjejum composto de “toddy” quente acompanhado de biscoitos ou pão com manteiga, além de queijo de leite de cabra ou o próprio leite da cabra, com cuscus de milho ou beiju de tapioca. Às vezes tinha sobre a mesa um delicioso mingau de milho verde ou de tapioca, ou de puba. Era uma delícia!

A saúde

Quando tínhamos piolhos, a professora da nossa escola recomendava aos alunos usar “Neocide em pó”. Na embalagem do produto tinha a imagem de um sapo capturando com sua língua uma enorme barata e a seguinte frase: “Neocid – inimigo poderoso de todos os insetos”.

Comíamos pão com manteiga e doces a vontade, além de sucos com (o perigoso) açúcar refinado e não se falava de diabetes ou obesidade. Hoje, refrigerante é modismo. Naquela época era a “tubaina” de sabores artificiais de frutas, que se comprava em qualquer boteco da esquina. De gole em gole tomávamos 600 ml desse refrigerante, e ninguém se queixava de gastrite ou morria por isso!

A segurança

As portas das nossas residências nem os armários de medicamentos ou gavetas onde se colocava dinheiro tinham trancas de segurança; até mesmo os carros não tinham trancas ou alarmes contra roubo e não tínhamos problemas com ladrões. As famílias dormiam amontoadas, nas calçadas, em épocas de calor, sem risco de assalto ou violência física.

A gente andava de bicicleta sem capacete nem joelheiras ou caneleiras, porque as ruas eram pouco trafegadas por veículos. Podia-se andar nas ruas sem correr o risco de ser atropelado.

A poluição

Os nossos rios não tinham problemas de poluição de suas águas. Atualmente, os rios são verdadeiros esgotos a céu aberto, onde os esgotos residenciais e dejetos humanos das fossas sépticas são lançados no leito dos grandes rios, causando a poluição.

Bebíamos água do filtro de barro, do pote, também de barro, da moringa ou diretamente da torneira. Quando o tempo era frio bebíamos água até da mangueira de jardineiro sem risco de contaminação.

Hoje bebemos água mineral em garrafas consideradas “esterilizadas”, sem ao menos saber a verdadeira procedência ou como foi engarrafada. Temos como exemplo a água Dias D’Ávila cujo lençol freático está contaminado pelos despejos de produtos químicos lançados pelas indústrias do Pólo Petroquímico de Camaçari.

As Diversões do meu Tempo

De um modo geral, as crianças brincam impulsionadas por duas necessidades: a de se distrair, e a de gastar o grande potencial de energia que existe dentro dela. Quando você vê uma criança calada – sem ser muda -, ou parada – sem ser paralítica -, fique certo de que essa criança é enferma, e precisa urgentemente de tratamento médico ou terapêutico.

As brincadeiras infantis variam de acordo com a idade e a condição social de cada criança. Atraídas pelas “corridas de fórmula um” divulgadas pela mídia, os garotos ricos ganham dos pais velocípedes e patins; enquanto os pobres se contentam com carrinhos de salelóides ou fabricados com madeira barata, os quais são puxados por um barbante. Sob inspiração da “fome”, as meninas pobres da minha época brincavam de “guisados” ou “rubacão”, atualmente conhecido como “baião de dois”, em que elas preparavam pratos de comida tendo como elementos principais rins de bode, o feijão misturado com arroz e temperado com toucinho de porco ou frituras de tripas de galinha, e outros produtos da culinária infantil da época.

Outras brincadeiras do meu tempo, e muito atraentes, eram o jogo de pião de ronda, o chicotinho queimado, a cabra-cega, soltar pipa ao ar livre, o jogo de gude, o futebol de peladas, o jogo de xadrez, o jogo de botões e os banhos no rio São Francisco. À medida que as crianças iam ficando mais viris, iam-se pondo outras brincadeiras, como o jogo de macaco, a corrida de sacos, o atletismo, o jogo de petecas, a luta livre americana, a capoeira etc.

Liberdade e Lazer

Eu e meus colegas brincávamos livremente na rua em completa liberdade sem risco de ser seqüestrado ou vítima de uma “bala perdida”; e éramos super ativos. Ao retornar da escola, jogávamos os livros sobre a mesa e pedíamos autorização da mamãe para brincar na rua. Depois do almoço ela dava a permissão para brincarmos na rua, impondo a seguinte condição: “Lhe autorizo brincar na rua, mas na condição de retornar para casa antes de anoitecer”. As meninas não tinham a mesma liberdade; ficavam em casa ajudando a mamãe e tomando conta das crianças menores.

Construíamos carrinhos de tábua sobre rolimãs (hoje é o “skat”), para competir corridas com os coleguinhas, descendo as ladeiras de asfalto na tentativa de bater Recorde de velocidade. Usávamos a sola dos sapatos como freio para parar o carrinho de rolimã. Muitas vezes perdíamos o controle do carro, na descida, e nos acidentávamos. Era braço quebrado, cabeça lascada e joelhos ralados, mas depois de alguns curativos e a aplicação de uma injeção na “bunda” (nádegas), logo o problema estava resolvido.

Como não havia celular nesse tempo, não tínhamos como comunicar aos nossos pais sobre o acidente; éramos conduzidos ao hospital ou a uma farmácia em caráter de urgência para fazer os curativos. Enfim, grande parte do dia ficava fora de casa, envolvido em brincadeiras, sem que nossos pais soubessem onde nos encontrávamos. Era incrível!

Os automóveis do meu tempo

No tempo em que me entendi como criança até os idos dos anos 1970, os carros não tinham cintos de segurança nem apoios de cabeça. Os automóveis populares era o Jeep e a Rural, que eram usados pelos taxistas no trabalho de transporte de seus passageiros e, aos fins de semana, no lazer. Gastava-se 20% menos combustível que os automóveis atuais.

Viajávamos soltos no banco de trás e não corríamos risco de morte, porque os motores dos automóveis não eram turbinados ou “máquina envenenada” como são os carros de hoje.

As festinhas

As nossas festas de aniversário eram muito animadas e bem concorridas. As mais festivas dessas festas eram a que chamávamos de “assustados”, que reuniam somente adolescentes. Eram animadas ao som de radiolas ou vitrolas com agulhas de diamantes deslizando sobre os discos de venil. Nesses “assustados” eram servidos aos convidados doces, bolos e o tradicional refrigerante “tubaina”, ou um delicioso coquetel feito de groselha e maçãs em cubinhos.

Para participar das festinhas sociais tínhamos que pedir permissão aos nossos pais e assumir o compromisso de retornar para casa antes das 22 horas, horário em que havia um apagão geral, em que os geradores que forneciam energia elétrica para as residências eram desligados. Afinal, tínhamos liberdade, mas também tínhamos deveres, além de sucessos e fracassos, e aprendíamos lidar com cada um deles. Acima de tudo, éramos felizes!

Os trajes típicos

As roupas infantis eram muito engraçadas, cheias de bordados e detalhes. O adolescente trajava-se de calças curtas um pouco acima dos joelhos, enquanto as mocinhas trajavam vestidos longos e rodados que atingiam o meio da canela. Vestir curto nos anos 50 era motivo de falatórios. A moça ficava mal falada, com seu nome de boca em boca.

Os trajes para freqüentar as festinhas eram a rigor: as moças trajavam vestidos longos e rodados, com alcinhas e ombros cobertos com chalé de algodão confeccionado em tricô. Os rapazes, por sua vez, usavam calças compridas e escuras, e camisas claras de mangas compridas e gravatas tipo borboleta. Era “um barato” como dizia o malandro. Naquela época estava na onda o rock roul de Elvis Presley.

O namoro

No namoro, existiam pudor e respeito misturado com repressão. O beijo na boca nunca acontecia no primeiro encontro. O ato sexual só acontecia na noite de núpcias, no casamento. Se a noiva enganasse o noivo, contraindo matrimônio sem a virgindade, esta era devolvida aos pais na manhã seguinte depois de uma estressada noite de discussões, choros e lamentos. Para esse caso de traição não havia perdão da parte do noivo nem dos pais da moça, que concordavam com a anulação do casamento.

Enfim, o namoro se restringia simplesmente ao toque de mãos e troca rápida de olhares e carícias discretas sob os olhares da mãe ou de algum membro da família da donzela. A moça era proibida de se encontrar com o namorado na rua. O encontro deveria acontecer somente na porta da casa da moça. Se os pais tomassem conhecimento que teria havido um encontro da filha com o namorado na rua, ou que ela teria escrito algum bilhete para um rapaz, esta era punida, sendo proibida de sair de casa por alguns dias. Os pais mais severos usavam métodos “bizarro”, deixando a jovem de joelhos sobre grãos de milho algumas horas, depois de dar-lhe uma boa surra de cinturão ou palmatória. Minha esposa foi uma das vítimas: apanhou do pai por ter-se encontrado comigo a margem do rio São Francisco. Era uma verdadeira barbária, mas ninguém nunca morreu por isso!

A convivência com os animais

Nada de ração para cães, gatos ou galinhas. Esses animais domésticos eram alimentados dos restos de alimentos que sobravam dos nossos pratos. Eles comiam a mesma comida que nós, e nunca algum cachorro morreu ou adoeceu por causa disso!

Banho morno de chuveiro? Xampus? Creme Rinse? Que nada! No quintal de casa tomávamos banho com uma mangueira de jardineiro juntamente com o cachorro que tínhamos como um dos membros da família. Com uma mão segurávamos o cão e com a outra uma mangueira, jogando água fria. Ensaboávamos-nos com sabão em barra, o mesmo que se lavava a roupa, e ninguém nunca se queixou de manchas de pele!

A pé ou de bicicleta; de Jeep ou de jegue, íamos à casa de parentes e amigos aos fins de semana, contando sempre com a companhia do cão de casa, que não desgrudava de nós. O cachorro era a melhor companhia nessas horas, pois evitava o encontro de algum malfazejo nalguma estrada deserta. Ninguém se habilitava se aproximar de nós para fazer alguma provocação respeitando a presença do cão.

Empinando Arraias

Lembro-me de outros fatos rememorativos da minha infância. Exemplo: eu gostava de “soltar” pipas. Na época, o termo era “empinar arraia”. A gente moia vidro e misturava com goma de tapioca cozida, cujo preparo era aplicado na linha pela qual a “pipa” era suspensa no ar. Toda “pipa” que estava no ar era perseguida pela que eu “empinava” e fazia trançar as linhas. A que tivesse a linha mais afiada, ou melhor, temperada com vidro moído, esta levava vantagem, cortando a “arraia” adversária.

Certo dia, aceitei o desafio de um primo meu no sentido de trançar as “arraias”, para ver quem levava a melhor. A linha de minha “pipa” estava mais bem temperada com vidro. Com isso, eu consegui cortar a linha da “arraia” do primo, que não ficou em nada satisfeito, vindo a me agredir fisicamente, quando ele viu seu invento ir embora e se parar em mãos desconhecidas.

O empinador de arraias mais famoso, em Juazeiro, foi o popular “Daú”, que atualmente reside em Sobradinho. Ele era imbatível, pois ninguém nunca conseguiu cortar sua arraia. Enquanto os colegas usavam goma de tapioca com vidro moído para temperar a linha, “Daú”, por sua vez usava verniz em lugar da goma. Ele era odiado por todos os empinadores de arraias, porque não deixava uma arraia no ar, cortava todas. Suas arraias eram bonitas, bem diferentes das que eram levantadas ao ar: eram de várias cores com a cauda feita com barbante fino e algodão. A arraia de Daú tinha um jogo especial. Ela sempre ficava em alturas mais elevadas, e com o jogo que ele fazia com a mão a “pipa” descia se requebrando com muita elegância, de ponta-cabeça cuja manobra era conhecida como “aú”, o que deu origem ao apelido de “Daú”. Ao entrar por baixo da arraia do adversário, a arraia de “Daú” a suspendia e ia logo cortando a linha da mesma sem dar chance para escapar. Quando a “pipa” cortada caia a garotada fazia a festa. Todos disputavam a arraia e a linha.

A Origem da Arraia

Segundo a mitologia grega, em uma ilha do Mediterrâneo era mantido sob exílio um homem chamado Ícaro, prisioneiro dos deuses. Ele desejava a liberdade e, para consegui-la, confeccionou um par de asas, e colou-as ao seu corpo com cera-de-abelhas; depois, subiu a um morro e lançou-se na amplidão, em direção ao continente. Depois de sobrevoar o Mediterrâneo, por algumas horas, Ícaro teve a cera-de-abelhas de suas asas derretida, por Febo, o deus sol. Então, Ícaro veio a cair no mar. Mais tarde, o mar onde Ícaro caiu, foi posteriormente batizado pelos gregos com o nome de Mar de Ícaro. Evidentemente, foi inspirada em Ícaro a criação da arraia que os garotos gostam de empinar.

O Jogo de bolas de gude

O jogo de bolinhas de “gude” ou pequenas esferas de vidro era outra diversão muito usada pelos juvenis da minha época. A gente abria três pequenos buracos no chão que eram chamados de “topes”, onde teríamos que atirar a “gude” com a impulsão do dedo polegar, cujo objetivo era acertar o buraco. Uma vez acertando o buraco, tínhamos o direito de atirar a nossa “gude” contra a “gude” do adversário, que era encontrada próxima do “tope”.

Vez por outra havia briga entre os adversários, pois a “gude” era de vidro e se partia quando o impacto era maior que o tolerável. Quando a bolinha de vidro era atirada com muita força, acontecia de vir a se partir, o que contribuía para começar uma discussão entre ambos os adversários, que terminavam em tapas.

A Cabra-Cega

No meu tempo de criança havia dois tipos dessa brincadeira. No primeiro, a cabra-cega tinha os olhos vendados, no centro de um círculo de meninos e meninas, e ficava na obrigação de tocar qualquer parte do corpo de um dos integrantes da roda. O que fosse tocado, este seria a cabra-cega seguinte. No segundo tipo, a brincadeira era mais interessante e, consequentemente, mais usada, pela maioria da garotada. Consistia em vendar os olhos de um garoto empunhando um porrete comprido, e dar-lhe uma meia dúzia de voltas até este ficar desnorteado. A cabra-cega teria de quebrar uma melancia, colocada bem no meio da rua.

Depois de uma série de enganos, a cabra-cega terminava por localizar o alvo; e após apontar o pau em direção da melancia, esta era partida em pedaços com a paulada. No momento todos os participantes da brincadeira pulavam sobre a melancia partida, e quando o garoto conseguia se livrar da venda para participar do banquete, não era encontrado no local nem a casca da melancia. Todo mundo já tinha comido tudo.

As Brigas de Rua

A mesma rivalidade que há entre nações e sistemas de religião, que normalmente é movida pela vaidade, pelo ciúme e pela ambição, em que os insanos lançam uns contra os outros, em insensatas lutas de extermínio, isto havia também entre as crianças do meu tempo, só que por motivos e circunstâncias bem diferentes.

Na escola, tínhamos bons e maus colegas. Ali, as refregas eram constantes entre alunos, especialmente durante os recreios. Brigávamos à toa; às vezes um simples olhar de deboche era o suficiente para irmos á forra, mas ninguém guardava rancor. No dia seguinte voltávamos a nos falar e brincar juntos sem transparecer qualquer ressentimento. Não era fantástico?!

Atualmente, os homens usam armas de fogo para se afrontarem; enquanto no meu tempo de criança, nossas armas eram pedras e pedaços de pau, as quais, mesmo usadas sob o impulso da intriga e do ódio infantil, não causavam risco de vida aos que se confrontavam em luta corporal. No momento da “refrega”, quando não dispúnhamos de pau ou pedra, as armas mais comuns eram os punhos e os dentes. A gente ia de dentada quando se agarrava com o opositor, porque alguns deles não davam oportunidade para darmos um soco.

Falar em dentada, eu tinha aproximadamente 10 anos de idade, quando me indispus com um vizinho meu de maior idade – um jovem de 23 anos, que era conhecido como “Toinho”. Eu teria feito algo errado que ele não gostou; não me lembro o que foi. Sei que “Toinho” me deu um “cascudo”, ou seja, bateu em minha cabeça com as falanges da mão fechada. Como eu não tirava partido com ele, por ser muito maior que eu, corri chorando em busca de minhas irmãs, Nilza e Cleonice, que foram tirar satisfação com o rapaz. Ele tomou como desacato e empurrou uma de minhas irmãs. Então, ambas investiram contra ele, derrubando-o. Ele no chão, e minhas irmãs dando “porradas” e tapas de mão aberta no rosto dele, enquanto eu aproveitei para dar dentada em sua coxa. Sentindo que a coisa estava “preta”, sem saída, “Toinho” gritava: “Socorro!... Socorro!... Acudam-me! Elas vão me matar”!

Outra ocasião, a briga foi com um rapaz de nome Dário. Ele me espancou durante uma partida de futebol de rua. Como ele era maior e mais forte que eu, não me habilitei reagir; então corri em busca de minha irmã Nilza, que foi comigo até onde Dário estava. Ela não contou conversa; investiu contra o rapaz dando “porradas” na cara deste. Quando ele caiu, eu fiz o mesmo que teria feito com “Toinho”: mordi desde a coxa até o pé. Cada dentada era um berro de dor que ele dava. Minha irmã só parou de bater no rapaz quando ele pediu clemência, e prometeu que não voltaria a bater em mim.

Pau-de-merda

Quase todas as noites reuniam-se grupos de cinco a sete companheiros e saíamos pelas avenidas, fazendo “traquinagens”, e provocando brigas de rua. Melávamos uma vara com “merda fresca” (fezes humanas ou de porco), e na rua simulávamos uma briga, para atrair muita gente. Um dos simuladores da briga segurava a vara grudenta de “merda”, e o outro reclamava: “Você está me provocando porque está com essa vara na mão! Entregue a vara a alguém e venha trocar socos comigo”!!

Quando alguém interessado em vir “o circo pegar fogo”, ou assistir os meninos brigando, se oferecia para segurar a vara, pegando-a na parte mais suja de fezes, sem perceber. Então, o companheiro puxava a vara fazendo com que esta escorregasse pela palma da mão, que ficava toda suja e fétida. O elemento, quando descobria que teria sido vítima de uma armação maldosa, se irritava e partia para cima do companheiro. Quando era um adolescente, enfrentávamos no tapa. Quando era uma pessoa adulta, respeitávamos e corríamos para evitar a briga. Assim, toda noite a gente escolhia um bairro diferente para praticar esse tipo de maldade.

Os batalhões rivais

Por motivos óbvios havia uma velha rivalidade entre os garotos da rua de cima e os da rua de baixo. A rua de cima era o bairro Santo Antônio, e a rua de baixo era o outro lado da banca, envolvendo o bairro Alagadiço. A banca fazia a divisão; e era em cima da banca onde acontecia o confronto entre os dois batalhões. Nessa história sempre havia um que comandava o grupo, e que mandava um recado verbal aos garotos do outro lado da banca: “Diga aos meninos da rua de cima que, às oito horas da noite do dia tal, iremos nos encontrar e tirar nossas diferenças; diga a eles que se preparem para brigarmos”. Assim, eram formados dois batalhões de meninos armados de paus e pedras, com o objetivo de travarem uma luta corpo-a-corpo. A gente se organizava em grupos de brigada; e cada pelotão tinha um comandante que dava as ordens.

O campo de batalha era a banca, no trecho compreendido entre a Praça da Mônica e a Praça Dom Thomas. Ali, o “pau quebrava”. A “refrega” começava com os dois grupos atirando pedras um contra o outro. Quando as pedras acabavam, era o momento de atacar com varas à mão. A vara servia como espada para ataque e defesa. A batalha chegava ao fim quando um dos batalhões resolvia “bater” em retirada. Alguns chegavam a casa feridos ou sangrando, e dizia aos pais que foram atacados na ruas por elementos maus.

Rivalidade maior era a que existia entre os garotos de Juazeiro com os garotos de Petrolina, e o ponto de encontro onde se travavam as batalhas era a Ilha do Fogo, que fica situada no meio do rio São Francisco, entre as duas cidades. Essa briga era mais ferrenha. De um lado estava o grupo de garotos baianos, e do outro lado o grupo dos pernambucanos. Essa batalha era mais perigosa, porque os garotos, tanto de um lado quanto do outro, usavam armas perfurantes como canivetes, espetos de churrasco e garfos, além de porretes, correntes e cabos de aço.

Quando a briga era contra os pernambucanos de Petrolina, os dois grupos das ruas de cima e de baixo se uniam para defender o nome de baiano. O batalhão que estava em desvantagem teria que correr desde a Ilha do Fogo até à cabeceira da Ponte Presidente Dutra. Alguns eram hospitalizados com ferimentos generalizados. Aconteceu de eu participar de brigas de rua, quando eu ia ao Cine Petrolina, aos domingos. Alguns elementos me reconheciam na saída da casa de projeções, e convocavam outros para me atacarem. Eu me saia bem, porque tinha noções de capoeira e boxe. Em uma dessas “refregas”, fui atingido na coxa da perna direita com um golpe de faca, que foi desferido por um dos dois elementos que me tocaiaram ao lado da agência dos Correios e Telégrafos de Petrolina. Mesmo ferido, corri até a Ilha do Fogo sendo perseguido pelos dois adversários, que se detiveram temendo aparecer algum juazeirense naquele momento. A Ilha do Fogo é a fronteira de limite entre Juazeiro e Petrolina; Bahia e Pernambuco. Também, quando os juazeirenses perseguiam os petrolinenses, ao chegar a Ilha do Fogo eles respeitavam a fronteira, retrocedendo. Em uma dessas brigas, na Ilha, eu tomei uma garfada na região glútea e não senti no momento, pois o sangue estava quente. Somente depois de uma carreira até a cabeceira da Ponte, um dos companheiros de batalha exclamou: “Êita, Wilson!... você está com um garfo espetado em sua bunda” (nádega) No momento de retirar o garfo do bumbum, foi aquele “Deus de acuda”. Todos queriam puxar o garfo, e eu não deixava ninguém tocar. Dei muito trabalho para permitir alguém retirar o garfo que estava fincado na região glútea.

Outras Refregas

Quando eu atingi maioridade, com 19 anos, fui trabalhar em algumas cidades da Chapada Diamantina, para uma representação de livros educativos e de saúde. O meu trabalho começava visitando antes de tudo as autoridades da cidade: o prefeito, o juiz de direito, o delegado de polícia etc. Nisso, fiz amizade com o delegado de polícia, que era um sargento PM, que gostou muito dos livros que eu representava. Ali, na região da Chapada Diamantina, fazia muito calor, e como nessa época eu ainda apreciava um refrigerante, entrei em um bar para comprar uma garrafa de guaraná. Havia uma mesa ocupada por quatro elementos, e um deles estava embriagado.

Quando estava ingerindo o guaraná, o bêbado se aproximou do balcão e solicitou que eu assentasse à mesa com eles. Eu disse-lhe que não tomava bebidas alcoólicas, porque além de eu ser um crente, estava trabalhando. Ele insistiu, mas não o atendi. Então, o ébrio determinou: “Se não vai sentar com a gente, então, vai pagar a conta!”. Eu disse que não iria pagar uma conta que não tinha nada a ver comigo, se eu não fiz nenhuma despesa com eles. Nisso, dois dos ocupantes da mesa partiram de lá, dizendo: “Que negócio é este de não pagar a conta!? Você vai pagar, sim!”

Naquele momento eu pude sentir que estava numa boa enrascada, mas eu continuava dizendo que não iria contribuir com nada. Após pagar o refrigerante que havia tomado, dirigi-me em direção da porta, apressadamente, mas um dos elementos que, depois fiquei sabendo que era um guarda-costas de um fazendeiro importante da região, puxou-me pelo colarinho da camisa, fazendo-me perder o equilíbrio e cair sentado. Ali, no chão, fiquei alguns segundos pensando o que faria para me livrar dos quatro elementos arruaceiros. Mas, de repente, fui surpreendido por um chute à altura do cóccix, onde até hoje sinto doer ao tocar no local. A pancada foi tão tremenda que subiu um calor pela coluna, desde a região sacro-lombar até o alto da cabeça. Naquele momento deu um estalo em minha cabeça e não sei como me coloquei de pé. Quando eu dei conta de mim, vi mesas e cadeiras quebradas por todos os lados, além de três dos quatro elementos no chão, desacordados, e o ébrio, tentando atingir-me à altura do meu abdome, desferindo socos com as duas mãos, enquanto eu o detinha, segurando-lhe a cabeça com uma de minhas mãos.

Por conta desta “refrega”, saí da cidade corrido, às escondidas, com a ajuda do delegado de polícia da localidade, que foi inteirado pelo dono do bar de tudo o que teria acontecido. Ele explicou que estava me ajudando porque o fazendeiro cujo guarda-costas teria sido surrado, teria me jurado de morte.

Vítima de Massacre

Outra “refrega” aconteceu em uma cidade litorânea, no Estado da Bahia. Ao desembarcar do navio, por volta de 17h30min., em companhia de uma jovem que a conheci durante a viagem de Salvador àquela localidade, nove elementos mal-encarados me acompanharam depois que eu havia me despedido da garota. Para chegar a uma pensão indicada pela jovem, eu teria que passar por entre muros de casas, o caminho mais curto para se chegar aonde eu queria. Nesse local, os elementos, depois de me cercarem, deixando-me no centro de uma roda humana, prometeram me surrar até à morte. Naquele momento eu pedi forças a Deus para não machucar ninguém, nem ser machucado, pois, eu tinha poucos meses que havia sido graduado mestre Kung Fu, além do conhecimento que eu já tinha de Capoeira, Judô e Jiu-Jitsu.

No Kung Fu, a gente aprende a arte da não-violência. A filosofia Kung Fu reza o seguinte: “Forte é o homem que vencer o adversário sem lutar, mesmo possuindo o poder de vencer lutando”. Como havia acontecido na região da Chapada Diamantina; fiz de tudo para evitar a briga, mas esta terminou acontecendo. Eu disse para os nove elementos: “Olha amigos, eu sou um crente e não posso me envolver com brigas; mas, já que vocês querem me surrar até à morte, como acabaram de prometer, pelo menos me deixem colocar as bolsas e sacolas no chão”. E fiz gesto de colocar os objetos no chão, ao pé de uma parede, obrigando o grupo a abrir um espaço e, ao ver-me fora da roda humana, “perna pra que te quero”; comecei a correr com as bolsas e sacolas em busca da rua. Mas, não fui bem sucedido. Um dos elementos saltou à minha frente com um pulo tipo olímpico, atingindo-me com um pontapé no peito, fazendo-me cair de costas, se espatifando as bolsas e sacolas.

No chão, indefeso, eu tentava me levantar. Mas, a cada tentativa, eu tomava uma patada ou uma “porrada” (soco de mão fechada), sem a mínima oportunidade de reagir. Os elementos me mataram mal matado. Eu estava todo moído de tanta pancada; era caindo e levantando. E quando levantava, caia novamente com uma rasteira, ou um soco, ou um chute. Resolvi ficar alguns segundos quieto no chão, imóvel; e pensei: Se eu reagir, vou morrer; e se não reagir vou morrer do mesmo jeito. Então, vou ter que morrer reagindo.

Respirei bem fundo e contraí todos os músculos do meu corpo e, após soltar um grito pavoroso, me coloquei de pé e lancei-me contra os elementos desferindo-lhes golpes rápidos e precisos de Kung Fu, utilizando pés e mão, atingindo somente os pontos mais sensíveis do corpo humano, tirando-os de combate com um único golpe. Depois de poucos segundos de luta, somente dois dos adversários ficaram em pé. Mas, quando eu me dirigi para atingi-los, estes correram sem olhar para traz. Então, juntei os objetos que estavam espalhados, e com a camisa rasgada e toda roupa suja de areia, dirigi-me à pensão indicada anteriormente pela jovem que a conheci no navio; tomei um banho rápido e troquei de roupa. Logo em seguida, arrumei as malas e peguei um ônibus de retorno a Salvador, temendo que alguns dos elementos estivessem mortos e, por essa razão, ser preso naquela cidade.

Minha última briga de rua aconteceu quando eu tinha 36 anos de idade. Era época de festas juninas. Quando eu ia passando em uma rua com minha esposa e duas filhas, três elementos desabotoaram a braguilha e urinavam em nossa presença como forma de provocação. Então, me aproximei dos elementos para reclamar respeito à minha família. Um deles não gostando, desceu a calça mostrando seu bumbum. Aproveitei a oportunidade para dar-lhe um chute no seu traseiro. Os outros dois se armaram para atacar-me, e eu simplesmente disse para eles: Venham! Estou esperando! – eles desistiram do intento e desapareceram no meio da noite.

As “peladas” (o futebol de rua)

Em Salvador, o futebol de rua ou de praia, em que o jogador participa do referido esporte com os pés descalços, dá-se o nome de “baba”; em Juazeiro, se conhece como “pelada”. No meu tempo de criança as bolas utilizadas nas partidas de “peladas” eram feitas de meias, cheias de pedaços de molambos – esporte esse que produzia constantes aborrecimentos aos nossos familiares, pelo fato de, às vezes, pegarmos escondido as meias dos nossos pais ainda em bom estado de uso para confeccionar as bolas de pano. A trave sinalizadora onde o goleiro ficava para impedir que a bola passasse era composta de duas pedras.

Muitas vezes, durante essas competições, sofríamos choques de canelas ou mesmo de pés, causando acidentes, porque a bola era pequena para ser chutada a dois. Eu mesmo só vivia com os dedos dos pés estourados por impactos que sofria durante as partidas de futebol. Por conta dos acidentes, os participantes se agrediam com “xingamentos” (ou palavras de desafeto), e às vezes, a brincadeira terminava em “refregas”.

Eu era muito bom de chute. Meu chute era forte do tipo de Roberto Carlos, da Seleção Brasileira. Diante disso, eu era bom de fazer gol. Certa vez, eu “meti” muitas bolas dentro da trave adversária, que tinha como goleiro um rapaz de aproximadamente 22 anos, enquanto eu tinha apenas doze. O rapaz não se conformou com a goleada e partiu para cima de mim com socos, após o último chute a gol. Nisso eu fui para casa chorando e contei o ocorrido para minhas irmãs que sempre tomavam as dores. Mas, nesse dia minha irmã Nilza falou: “Você não é mais criança para a gente tomar suas dores; volte lá e vá à forra com o elemento, porque você já está crescidinho para viver apanhando de todo o mundo”. Isso mesmo eu fiz: voltei ao local da “pelada” e esperei terminar a partida. Em dado momento ele se descuidou e atirei-lhe uma pedra na cabeça do rapaz que caiu sangrando.

Com o aparecimento das bolas-de-borracha, as bolas-de-meias foram caindo em desuso, e somente os garotos mais pobres continuavam fazendo uso delas. As partidas de “peladas” aconteciam no meio da rua ou em terrenos baldios, logo que retornávamos da escola. Muitos bons jogadores de futebol, como Luizão Pereira e Nunes, que foram estrelas da Seleção Brasileira saíram dessas “peladas” que se realizavam em Juazeiro.

Os banhos de Rio

O filósofo grego, Aristóteles, certa feita afirmou que “a água é o princípio e o fim de todas as coisas”. Na verdade, quando Deus formou o primeiro homem – Adão – usou água e barro. A Bíblia descreve assim: “Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra...” (Gen. 2: 7). O pó da terra mencionado pela Palavra de Deus envolve também água e madeira. A água exerce poderosa atração sobre gente, bicho e vegetais, talvez pelo fato de sermos constituídos 70% dela, e apenas 30% barro. Como somos parte integrante da Natureza, o planeta Terra tem a mesma constituição do nosso corpo: 70% água e 30% parte seca.

Na Nova Terra que Cristo vai recriar, segundo a Bíblia, a água vai ficar restrita a rios que banharão toda a Terra, porque o mar deixará de existir (Apoc. 21: 1). Também, o nosso corpo terrestre, com a renovação da Terra, será transformado em corpo celestial (I Cor. 15: 40, 44, 49, 50-54). Então, a água deixará de fazer parte da nossa constituição, sendo substituída por luz, o que tornará o nosso corpo em “luzeiros no mundo” (Fil. 2: 15). Com isso, passaremos a ser 70% luz, e apenas 30% matéria.

No meu tempo, os garotos aproveitavam o calor de Juazeiro para mergulhar no leito do “Velho Chico”. Formávamos grupos de meninos na faixa de 8 a 12 anos, para descer até o rio São Francisco, onde realizávamos competições, para ver quem chegava primeiro a nado na margem de uma ilhota que fica situada nas proximidades do Colégio Rui Barbosa. Às vezes, fazíamos apostas para ver quem chegava primeiro na outra margem do rio. A travessia do rio era feita num percurso de aproximadamente 400 metros, saindo do porto da casa de bombeamento do SAAE, em Juazeiro, tendo como ponto de chegada a Ilha do Fogo. A gente fazia uma “vaquinha”, ou seja, arrecadávamos entre o grupo alguns centavos para deixar um garoto de vigília, para evitar que alguém roubasse as nossas roupas. Os banhos de rio eram praticados sem nenhuma roupa no corpo, ou seja, nadávamos peladinhos como viemos ao mundo.

Certa feita um dos garotos que montava vigia sobre nossas roupas aproveitou a nossa ausência para dar um mergulho no leito do rio. Então, alguém pegou nossas roupas às escondidas. Quando chegamos à margem, encontramos o nosso vigilante chorando. Quando perguntamos o que teria acontecido, ele falou do roubo das roupas, o que deixou todo o grupo preocupado, uma vez que não tinha como retornar aos nossos lares, porque estávamos todos nus. Com isso, todos os garotos se desataram em prantos, pos não sabiam como chegar a suas casas, “pelados” como nasceram.

Foi muito engraçado, um grupo de garotos “pelados”, andando pela estrada de volta ao lar. Naquela época Juazeiro não tinha água encanada; algumas pessoas desciam ao rio para colher água ou lavar roupas. Por essa razão, a estrada era bem movimentada por populares. Então, todos nós corríamos para se esconder atrás dos arbustos quando aparecia alguém que vinha em nossa direção. Assim, chegamos a nossas casas com muita dificuldade, se escondendo aqui; se escondendo ali. Da minha parte, eu saltei o muro de minha casa, que dava fundo para a roça do Seu Shefif, pai do atual deputado federal, Jorge Khoury, a qual ficava em direção ao rio. Alguns, ao chegarem a suas casas, “pelados” (despidos), com uma mão cobrindo o “pinto” (pênis) e com outra cobrindo a “padaria” (nádegas), tomaram uma boa surra dos pais.

João Gilberto e o Angari

Em 1957, eu tinha oito anos de idade. Naquela época existia uma antiga rivalidade entre os meninos da rua de baixo e os da rua de cima. Então, reunimos um bom número de colegas do bairro Santo Antonio (rua de cima) onde morávamos, para tomar banho no Angari, próximo do antigo Curtume Campelo e do Matadouro Público. Até então eu não conhecia esse local de banho na margem do Velho Chico. Ali existiam muito angaris e juncos, além de pequenos arbustos que davam umas frutinhas muito gostosas parecendo romãs. Esse local era muito freqüentado por casais que se embrenhavam entre os arbustos e juncos para namoros proibidos.

Era uma tarde ensolarada e a água do rio São Francisco estava convidativa para um mergulho. Ao chegar ao Angari encontramos João Gilberto (atualmente conhecido em todo o mundo como o Pai da Bossa Nova), que era conhecido carinhosamente como “Joãozinho de dona Patú”. Ele ficava a sombra dos arbustos tocando violão para os casais amigos que ali se reuniam para um banho de rio e tomar a famosa “cachaça de Januária” que era conhecida como “Chora na Rampa”.

João Gilberto se fazia acompanhar de uma jovem mendiga uma morena muito bonita, mas com problema mental, conhecida em Juazeiro como “Maria Pezim”, para a qual ele chegou a compôr uma música. Era assim conhecida porque tinha um defeito físico no pé direito. João era muito caridoso e dava esmolas a todo mendigo que batia a sua porta ou que via esmolando pelas ruas de Juazeiro. “Maria Pezim” e seus familiares eram sustentados por ele. Ele sempre se encontrava com ela na margem do São Francisco, no Angari. Joãozinho não aceitava encontrar-se com “Maria Pezim” fora do Angari, porque quando ela o via na rua ou no centro comercial de Juazeiro, gritava: “Joãozinho, meu gostoso!”. Por essa razão João Gilberto se desviava quando a via na rua.

Quando eu conheci João Gilberto ele tinha 26 anos de idade. Ele não se desgrudava do seu violão e andava pelas ruas de Juazeiro com o instrumento nas costas. Por onde ele passava com sua viola nas costas, algumas pessoas que não entendiam o valor da música exclamavam: “Olha aonde vai o louco!”, o que o deixava indignado. O vi pela primeira vez no Angari tocando violão, cujo som eu aprendi a gostar. A partir daquele dia em que o conheci, passei a assistir, ao pé dos postes das bocas de auto-falantes do serviço de som do comerciante “Seu Grosso” aos seus programas musicais que eram apresentados ao vivo. A sede do serviço de som de auto-falantes ficava na esquina com a Rua do Paraíso, no bairro Santo Antonio. O programa musical era apresentado com a participação de Anízio, Maninho Budogle e Edésio Santos. Este último músico foi o professor de violão de João Gilberto. O dinheiro que ele ganhava da música, fazendo o programa na rádio de “Seu Grosso”, distribuía com os pobres que lhe batiam a porta em busca de ajuda.

Em 1958, um ano depois que eu havia conhecido o “Papa da Bossa Nova”, por falta de reconhecimento e apoio do Poder Público Municipal e da própria sociedade juazeirense, ele foi ao Rio de Janeiro, onde lançou o seu primeiro disco, estourando nas paradas de sucesso com a música “Saudade”.

Conhecida como “Bossa Nova”, a moderna música popular brasileira que até hoje está no auge em todos os países do mundo, foi criada em Juazeiro, no Angari, por João Gilberto, no início dos anos 60. Antes do ritmo criado por Joãozinho de dona Patú, a música cantada no Brasil era importada da Itália. O que vale dizer que até o ano de 1960, os cantores brasileiros cantavam em ritmo castelhano. Enfim, João Gilberto, hoje com fama internacional, foi o responsável pela revolução da música popular brasileira. Na música ele é o “rei da harmonia”. Normalmente, ele passava cerca de quatro anos trabalhando um disco antes de lançá-lo na praça.

A “Bossa Nova” de João Gilberto cujo nome próprio é João Gilberto do Prado Pereira de Oliveira, abriu espaço para o surgimento de cantores famosos como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Peninha, Wanderley Cardoso, Erasmo Carlos, Waldick Soriano, Maria Betânia, Vanderléia, Jair Rodrigues, Elis Regina, Altemar Dutra, Sérgio Reis e tantos outros.

Meu último encontro com João Gilberto foi em 1981, quando ele veio a Juazeiro ao tomar conhecimento da morte de sua mãe. Ele contou-me que desde aos cinco anos tinha tendências para a música, e aos 10 anos de idade ganhou o primeiro violão como presente de aniversário do então prefeito de Salvador, Epaminondas dos Santos Torres, que era casado com sua tia, Maria do Prado Torres.

Nesse nosso último encontro, fiquei sabendo que João teria se casado duas vezes e teve apenas um casal de filhos. Sua primeira mulher foi Astrude, que teve Marcelo. A segunda foi Eloísa, irmã do cantor Chico Buarque, que teve Isabelzinha.

A poluição

Voltando ao Angari, o nosso rio não tinha problemas de poluição de suas águas. Atualmente, os rios são verdadeiros esgotos a céu aberto, onde os esgotos residenciais e dejetos humanos das fossas sépticas são lançados no leito dos grandes rios, causando a poluição.

Bebíamos água do filtro de barro, ou da torneira, ou da mangueira de jardineiro cuja água vinha diretamente do rio, sem risco de contaminação. Hoje bebemos água mineral em garrafas consideradas “esterilizadas”, sem ao menos saber a verdadeira procedência ou como foi engarrafada. Temos como exemplo a água Dias D’Ávila cujo lençol freático está contaminado pelos despejos de produtos químicos lançados pelas indústrias do Pólo Petroquímico de Camaçari.

O Negro D’água

No meu tempo de criança, eu ouvia muitas estórias de “Negro D’água” – um duende das águas do rio São Francisco - que, segundo os pescadores, apareciam em noites de luar ameaçando virar suas canoas. Esses duendes de pele escura, com mãos e pés de pato, exigiam dos pescadores fumo e uma garrafa de cachaça, para deixá-los em paz, e em troca, eles prometiam assustar os peixes contra as redes, que ficavam pesadas de pescado.

Certa ocasião, em uma das travessias do rio São Francisco, em companhia do meu primo José Alvino, aproveitei para resfolegar sobre uma grande pedra que fica no meio do rio, próximo do porto do São Francisco Country Clube. Era época de cari – um peixe de casco preto que vive em locas das pedras do leito do rio, e se alimenta de vegetais aquáticos -, uma espécie cuja carne é afrodisíaca, do rio. Então, eu resolvi introduzir a mão em uma das locas, esperando capturar um cari. Enquanto isso, meu primo nadava em direção à margem do rio; ele já estava à minha frente uns 200 metros. No momento em que coloquei a mão na loca, senti algo como uma mão apalpar o meu pulso da mão direita, puxando-me para baixo, para o fundo do buraco na enorme pedra. Nisso, dei um grande sopapo, me libertando do que me prendia. Imaginei logo que eu estava sendo puxado por um “Negro D’água” e, braço pra que te quero?!

Dei umas braçadas rápidas em direção à margem do rio. Como eu estava assaltado pelo medo, em poucos segundos alcancei o meu primo, e gritei: “Aí vem o “Negro D’água”! Aumente as braçadas!”. Ao ver-me apavorado, com cara de aterrorizado, José Alvino me acompanhou a nado; e chegando à beirada do rio, ele afirmou que sentiu algo que vinha atrás de nós produzindo uma enorme mareta escura.

Passarinhando e armando Arapucas

Onde atualmente é a Vila Maringá ficavam localizadas as chácaras dos senhores Vitorino e Verbuje. Ali, eu e vários garotos saíamos a passarinhar, matando nambus, rolinhas do tipo fogo-pagou, juriti, sangue-de-boi e as chamadas aves de arribação, além de codornizes, sofreus, bem-te-vis e azulões. Passarinhávamos com badogles, arco e flechas. Além destas armas, armávamos arapucas para a captura de algumas espécies, como canários, cardeais, pássaro-preto, xexéus e rolinhas fogo-pagou. As aves capturadas eram postas em gaiolas e vendidas na feira-livre. Fazia parte do grupo de passarinheiros um moreno chamado Messias, um exímio arqueiro, que nunca perdeu na pontaria. Além de passarinhos, ele abatia com seu arco e flechas camaleões, calangos e lagartixas. Ele tinha prazer de matar tudo que passava em sua frente.

Nessas nossas caçadas a passarinhos invadíamos chácaras de frutas; adentrávamos os cercados para furtar as frutas da época, como melancia, caju, goiaba, manga, bananas, mamão etc. Morava uma senhora muito valente conhecida como dona Romana, onde hoje é a Vila Maringá. Ela recepcionava os invasores de sua roça com tiro de sal. Ela carregava sua espingarda de bucha usando sal grosso em lugar de chumbos. O sal, quando penetrado na pele, causava dor no local atingido e muito sofrimento à vítima. O tiro era disparado pelas costas, atingindo sempre o bumbum, quando o garoto corria em direção do cercado na tentativa de sair da chácara.

Capturando Preás

Eu gostava, também de capturar preás, uma espécie de rato sem cauda, muito comercializado na minha época. Eu armava uma espécie de “mundé”, cuja armadilha era feita no chão. Cavávamos um buraco bem fundo e cobria este com uma tábua preparada para ceder com o peso do preá; quando este caía no buraco, a tábua voltava ao seu local, deixando o roedor preso. A armadilha era preparada em locais onde os preás gostavam de passar.

Sempre ao cair da tarde, por volta de 17h30min., eu ia ao local da armadilha para colocar sobre a tábua que a cobria, algumas folhas de capim que os preás apreciavam, com o objetivo de atraí-los e faze-los ser aprisionados. Na manhã seguinte, por volta de 5h30min., eu ia ver o “mundé”, e quando abria, encontrava até cinco preás dentro do buraco. Levava comigo uma gaiola de ferro que vinha cheia de preás, que eram vendidos vivos no Mercado Municipal. Tinha época que o povo consumia tanto preá, que antes de eu chegar ao Mercado todos eram vendidos no caminho.

Certo dia, quando coloquei a mão dentro do buraco para pegar os preás, como sempre acontecia rotineiramente, eu senti algo estranho. O pelo do preá é bem macio, e naquele momento eu estava apalpando algo duro, roliço e escorregadio; era uma enorme cobra conhecida como jaracuçu do papo amarelo. O susto foi tamanho que nunca mais quis capturar preás.

Capturando Peixes

Toda manhã acordava bem cedinho para capturar preás, e aproveitava a ocasião para capturar alguns peixes que ficavam presos entre as pedras da beira do rio. As piranhas e surubins perseguiam os peixes menores, como piau-de-cheiro, curimatãs, matrinchans, corvinas e pacus, os quais corriam para a parte mais rasa do rio e terminavam por ficar preso entre as pedras. Eu conduzia um cesto, para colocar os peixes, e uma gaiola de ferro, para colocar os preás; assim, eu sempre tinha uns trocados para ajudar a meus pais na compra de pães e outras massas para o café da manhã.

Em períodos de vazantes do rio, reuníamos alguns colegas tanto do sexo masculino quanto do sexo feminino, para mexer as lagoas que se formava em baixios. O rio enchia e invadia as áreas baixas, onde os peixes se aglomeravam para comer a vegetação submersa. Quando o rio voltava a baixar tornando ao seu leito normal, os peixes ficavam confinados nos baixios sem poder retornar ao leito natural do rio. Então, pegávamos galhos de árvores e arrastávamos de um lado para o outro da lagoa, deixando a água bem barrenta, sem oxigenação. Diante da concentração de deutério na água, os peixes buscavam a superfície para respirar, já que a lama formada pelo arrastar dos galhos de árvores teria retirado o oxigênio da água. Com isso, tornava-se fácil capturá-los.

Nestas investidas havia muito acidente; muitas vezes éramos mordidos por piranhas e traíras, que ficavam na beira da lagoa somente com os olhos e boca fora d’água. Quando a gente levava a mão para atirar os peixes para fora da água, piranhas e traíras eram rápidas em contra-atacar com seus dentes afiados. Alguns dos colegas perderam seu dedinho; outros tiveram partes das mãos ou da canela mordidas. Eu mesmo perdi metade da cabeça do indicador da mão esquerda, lado em direção ao polegar, perdendo metade da unha; mas, para minha felicidade, com o tempo, voltou quase ao normal. Outro perigo das lagoas eram os caboges e mandis, os quais possuem esporões afiados como canivetes, que espetavam na sola dos pés, e só podiam ser retirados com uma cirurgia, sob intervenção médica. Os que tentavam retirar por conta própria, o esporão quebrava no pé, dentro da carne, tendo que fazer a cirurgia de qualquer maneira. Eu sofri somente uma vez esse tipo de acidente. O esporão de um caboge quebrou no meu calcanhar do pé esquerdo, e eu nunca tive a preocupação de extraí-lo. Fiquei durante muito tempo com o calcanhar infeccionado, sendo que mais tarde criou-se um tumor no local, que me incomodava quando eu ficava muito tempo em pé numa fila de banco.

Vida Educacional

Desde a minha infância, apesar de ser de origem humilde, filho de ex-remeiro do São Francisco e de uma verdureira, pela graça de Deus tive boa educação escolar. Foi com muita dificuldade que conclui o segundo grau e me tornei jornalista, escritor, terapeuta holístico e, finalmente, naturopata com formação em Nutrição Natural e Dietoterapia, tendo cursado entre 1999 e 2001, Bacharelado em Medicina Tradicional pela FAMET – Faculdade de Medicina Tradicional da Bahia. Só me resta fazer estágio de um ano para receber o diploma de bacharel em Medicina Tradicional.

Meu pai era do tipo boêmio, e gostava de “curtir a vida”. O seu salário era usado em “farras”, mulheres, perfumes e roupas caras. Ele era muito vaidoso; só andava perfumado e bem alinhado, e mais das vezes chegou a nosso lar embriagado. Poucas vezes o vi dando alguma importância a minha mãe para as despesas de casa. Enfim, minha mãe despertava às 4 horas da manhã, para ir ao Mercado Municipal de Juazeiro, onde ela comercializava verduras e legumes para conseguir os meios de sustento dos oito filhos que estavam em seu poder. Com muita dificuldade ela comprava fardamento, calçados e livros, além de lápis, canetas e cadernos, para manter eu e meus sete irmãos nas melhores escolas da cidade, destacando dentre elas as Escolas Reunidas Monsenhor Ângelo Sampaio, a Escola Clube Comercial, a Escola Adventista, o Colégio Estadual Rui Barbosa e, finalmente, a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Juazeiro, onde cursei Pedagogia.

Lembro-me que quando eu tinha nove anos incompletos, as correias de minhas sandálias se partiram, no caminho da escola, onde também, estudava minha irmã Zilda, na terceira série primária. Para não perder a aula, combinamos adentrar a escola com um dos pares de sua sandália: ela emprestou-me a sandália do pé direito e manteve a do pé esquerdo consigo. Assim, assistimos à aula daquele dia com um pé calçado e outro descalço.

Em outra ocasião fui à escola com um dos pares de congas rasgado, o que serviu de chacota da parte dos coleguinhas. Como eu não era de levar desaforo para casa, revidei as críticas com agressão física contra dois dos que faziam zombarias, e terminei sendo castigado pela professora Lucinha, que me deixou em pé no canto da parede da sala de aula com um livro na cabeça, durante o recreio.

Nas Escolas Primárias

A Escola Reunida Monsenhor Ângelo Sampaio, situada à Rua do Apolo, foi a primeira onde estudei, em Juazeiro. Não me lembro que idade eu tinha ao ingressar nessa escola. Ao lado da escola existia uma padaria com a denominação de Confeitaria e Padaria Líder, onde eu adentrava no horário de recreio para comprar uns biscoitinhos muito gostosos para merendar. Determinado dia resolvi ir até o Bazar Royal, onde atualmente funciona a casa comercial Ceará Magazine; ali trabalhava como balconista um anão cabeçudo que atendia como “Gustavinho”. Ao sair do Bazar, atravessei a rua correndo, e esbarrei-me em um carro que passava no momento. Por sorte o motorista acelerou o carro me fazendo esbarrar na porta do mesmo e evitar o atropelamento. Ao esborrachar-me no chão, juntou uma grande multidão de curiosos para ver-me. Passado o susto, levantei-me e saí correndo em direção à escola. Não foi nada grave, apenas fiquei sentindo a caixa torácica que bateu na porta lateral do automóvel.

No ano seguinte estudei na Escola do Clube Comercial, que funcionava à Praça da Igreja Matriz, sob a direção do professor Belford. Atualmente funciona a Biblioteca Municipal. Ali existia uma grande biblioteca composta de centenas de livros. Cada dia que eu me familiarizava com os livros me nascia à idéia de ser um escritor. Persegui essa idéia de escrever um livro por longos anos, desde a infância, até que em 1976, quando eu tinha 27 anos de idade, comecei a escrever o livro que foi editado em 1996, depois de 20 anos de pesquisa, com o título: Origem e Destino da Humanidade (à luz da Bíblia).

Depois de estudar um longo período na Escola do Clube Comercial de Juazeiro, em 1962, quando eu tinha 13 anos de idade, minha mãe matriculou-me na Escola Adventista, onde recebi uma educação ímpar. Ali aprendi o que deixei de aprender nas escolas por onde passei. Aprendi a obedecer a Deus e a amar e respeitar os meus semelhantes. A educação que recebi na Escola Adventista me fez mudar de comportamento e deixou-me preparado para a vida, não somente a material, mas também a espiritual.

No Colegial

Ao concluir o ensino fundamental, ingressei no Colégio Estadual Rui Barbosa, onde iniciei o curso de primeiro grau. Ali fiz muitos amigos e amigas, dentre os quais, atualmente são médicos, engenheiros agrônomos, pedagogos, advogados e empresários bem sucedidos.

Algumas vezes cheguei atrasado no Colégio, onde o porteiro era muito exigente e não permitia a entrada do aluno depois que o sino de chamada era badalado. Mas, para não faltar às aulas, eu rodeava e saltava o muro, pelos fundos. Concluí o segundo grau em Salvador, no Instituto São Caetano, em 1970.

Em 1976, participei de um Curso Prático de Auxiliar de Serviços Médicos, de capacitação à Atividade Paramédica, no Rio de Janeiro, com duração de oito meses, no Instituto de Formação de Auxiliares de Clínicas e de Cirurgias. Concluímos o curso em maio de 1977; nesse mesmo ano entrei para o ramo de farmácia, na Serra da Carnaíba, município de Pindobaçu, onde eu era estabelecido e mantinha também uma academia de Kung Fu, estilo Cap-Kar-Tae-Dô. (maiores detalhes, nos capítulos: Vida Profissional e Vida Esportiva).