terça-feira, 13 de maio de 2008

Minha Adolescência

(Período compreendido de 12 a 19 anos)

A minha adolescência não foi em nada diferente da infância... Sempre vivi envolvido com o trabalho. O meu primeiro emprego de infância, como disse anteriormente, foi de “guia de cego”, até aos dez anos de idade. Eu era pago para guiar, pelas ruas de Juazeiro, uma ceguinha de nome dona Blandina, que era sustentada pelas esmolas que conseguíamos da parte de pessoas de boa vontade.

Trabalho Escravo

Como dona Blandina estava velhinha, ela veio a falecer. Então eu perdi o emprego de “guia de cego”. Meu pai era chefe de um depósito de couros e peles, da Empresa João César. Ele me conduzia todos os dias ao depósito, onde eu ajudava os trabalhadores, arrastando couros de bovinos e peles de caprinos e ovinos, para expô-los ao sol. Além de estender couros e peles, eu tinha que encher grandes tanques suspensos de dois depósitos da Empresa, com água que eu teria de colher no rio São Francisco, diariamente. Naquela época Juazeiro não tinha água encanada. A população da cidade colhia a água do rio. Com duas latas vazias de querosene penduradas por cordas presas às extremidades de uma vara espessa, eu as enchia de água, no rio, e teria que conduzi-las subindo uma ladeira arenosa; depois, teria que subir uma escada de madeira no interior dos depósitos, para despejar a água dentro do tanque até encher. Era uma vida muito dura comparada a trabalho escravo; eu só parava de trabalhar quando ia à escola. Quando eu vestia a farda, dava um UFA! de alívio. Por conta de pegar muito peso na adolescência, fiquei com problemas sérios de coluna, como também, de varizes. Fiquei livre destes problemas depois que conheci e pratiquei a Medicina Natural e a Ginástica Terapêutica.

Durante o dia meu pai trabalhava na chefia do depósito, e à noite montava vigilância para aumentar sua renda. Só que na verdade ele não vigiava nada. Ele saia com os amigos para curtir, pois era mulherengo, e eu ficava sozinho com dois cães valentes e um revólver calibre 38. Eu tinha por volta de 1l anos de idade. Mas, não demorou muito para a empresa abrir falência. Diante da falência da Empresa, eu achei que teria descanso, e a partir daquele momento eu dedicaria meu tempo somente à escola. Muito cedo eu pensava ser um escritor. Entretanto, a vida dura de cativeiro que eu levava não me dava tréguas.

Carvoeiro e Oleiro

Quando a Empresa João César abriu falência, meu pai nada recebeu de indenização. Então ele buscou “ganhar a vida” fabricando carvão de lenha, na região da Serra da Batateira, onde atualmente é o bairro João Paulo II. Ali, ele construiu um casebre e fez uma chácara cercada, colocando o nome dele – Chácara São Roque – Ali, ele plantava, e de tudo dava. Ele pediu-me, então, para ajudá-lo. Com uso de machados, arrancávamos tocos, na caatinga, para fabricar o carvão. Ele tinha dois jegues, os quais eu usava para transportar as sacas de carvão, para vender pelas ruas da cidade. A essa altura eu completava com 12 anos de idade. Quando abri os olhos, vi que tinha sido transformado em carvoeiro, ou vendedor ambulante de carvão. Eu saía pelas ruas de Juazeiro, “tocando” dois jegues carregados de sacas de carvão de lenha; eu gritava: “Olha o carvão”! “Olha o carvoeiro”!

No período do inverno não era possível retirar lenha para o fabrico do carvão; então eu trabalhava na olaria do comerciante Ulisses, fabricando tijolos e telhas. Minhas mãos eram cheias de calos; eu tinha vergonha delas, porque estavam estouradas por causa do cabo do machado e dos tijolos quentes que eu retirava do forno. Nessa época eu já pensava ter uma namorada, mas minhas mãos eram tão grotescas, cheias de calos, parecia mais uma lixa, e eu não me habilitava tocar a mão de alguma garota. Tinha também a questão de ser carvoeiro e fabricante de telhas e tijolos, atividades dignas de um trabalhador, mas humilhante para um jovem que pensa ter uma namorada.

Jornaleiro-Mirim

Minha mãe se condoeu do que eu vinha padecendo. Trabalhava duro e sem descanso; meu pai era quem recebia o meu salário das mãos do Sr. Ulisses, o proprietário da olaria. Então, ela providenciou outro emprego menos sacrificante, e conseguiu com as irmãs, Beta e Belita Café, uma atividade de “jornaleiro-mirim” para eu vender exemplares do jornal “A Tarde”, pelas ruas de Juazeiro. As duas irmãs solteironas residiam ao lado da igreja Matriz de Juazeiro, à Praça da Bandeira. Elas recebiam pacotes do jornal via Empresa de Transporte São Luiz, por volta de 14 horas, diariamente, e este era distribuído no centro comercial local através de quatro jornaleiro-mirins, que disputavam a venda do matutino pelas ruas da cidade. Um dos vendedores-mirins de "A Tarde", em Juazeiro, era este que vos escreve.

Eu tinha 12 anos de idade, quando, em 1961 comecei a vender o jornal "A Tarde" no centro comercial de Juazeiro. Atuei como jornaleiro-mirim até o dia 15 de novembro de 1965 quando, na ocasião, as irmãs, Beta e Belita Café, perderam a representação do jornal para o engenheiro-agrônomo e empresário Moacir Mesquita Lopes. Antes da vinda da Empresa São Luiz, "A Tarde" chegava a Juazeiro pelos trilhos da rede ferroviária. Somente a partir de 1966, com a inauguração de sua sucursal, em Juazeiro, "A Tarde" passou a chegar à cidade em transporte próprio.

Mais tarde, no início da década de 80, eu fui contratado pelo jornal “A Tarde”, para o qual eu havia atuado como “jornaleiro-mirim” no período de 1961 até 1966. Agora, na condição de repórter, trabalhei para este jornal como correspondente em Juazeiro, por cerca de quatro anos. A sucursal do jornal “A Tarde” foi inaugurada em Juazeiro no dia 30 de janeiro de 1966, sob a gerência do empresário Moacir Mesquita Lopes.

A iniciação religiosa

As camas das crianças do meu tempo tinham grades de proteção e brinquedos de várias cores que se soltavam com facilidade. Éramos orientados por nossas mães para nos ajoelharmos ao pé da cama para “orar a papai do céu” antes de dormir. A oração era feita religiosamente, todas as noites. Depois da “reza” como dizia nossa mãe, tínhamos que pedir a benção estirando a mão direita, dizendo: “Abença papai... Abença mamãe!”. E a resposta era: “Deus lhe abençoe, filho! Durma com os anjos!”.

Na manhã seguinte, ao despertar, voltávamos a pedir a benção dos nossos pais. Hoje, pedir a benção dos pais, tios ou avós é considerado como uma “cafonice”.

O desjejum

Normalmente, acordávamos com beijinhos carinhosos da mamãe, que dizia carinhosamente: “Acorda meu anjo... é hora de ir para a escola!”. Depois de um afetuoso abraço da mamãe, ela nos determinava escovar os dentes e tomar um banho frio, fazendo a seguinte recomendação: “molhe primeiro os pulsos e os tornozelos, ta?!”.

Depois do banho nos era servido o desjejum composto de “toddy” quente acompanhado de biscoitos ou pão com manteiga, além de queijo de leite de cabra ou o próprio leite da cabra, com cuscus de milho ou beiju de tapioca. Às vezes tinha sobre a mesa um delicioso mingau de milho verde ou de tapioca, ou de puba. Era uma delícia!

A saúde

Quando tínhamos piolhos, a professora da nossa escola recomendava aos alunos usar “Neocide em pó”. Na embalagem do produto tinha a imagem de um sapo capturando com sua língua uma enorme barata e a seguinte frase: “Neocid – inimigo poderoso de todos os insetos”.

Comíamos pão com manteiga e doces a vontade, além de sucos com (o perigoso) açúcar refinado e não se falava de diabetes ou obesidade. Hoje, refrigerante é modismo. Naquela época era a “tubaina” de sabores artificiais de frutas, que se comprava em qualquer boteco da esquina. De gole em gole tomávamos 600 ml desse refrigerante, e ninguém se queixava de gastrite ou morria por isso!

A segurança

As portas das nossas residências nem os armários de medicamentos ou gavetas onde se colocava dinheiro tinham trancas de segurança; até mesmo os carros não tinham trancas ou alarmes contra roubo e não tínhamos problemas com ladrões. As famílias dormiam amontoadas, nas calçadas, em épocas de calor, sem risco de assalto ou violência física.

A gente andava de bicicleta sem capacete nem joelheiras ou caneleiras, porque as ruas eram pouco trafegadas por veículos. Podia-se andar nas ruas sem correr o risco de ser atropelado.

A poluição

Os nossos rios não tinham problemas de poluição de suas águas. Atualmente, os rios são verdadeiros esgotos a céu aberto, onde os esgotos residenciais e dejetos humanos das fossas sépticas são lançados no leito dos grandes rios, causando a poluição.

Bebíamos água do filtro de barro, do pote, também de barro, da moringa ou diretamente da torneira. Quando o tempo era frio bebíamos água até da mangueira de jardineiro sem risco de contaminação.

Hoje bebemos água mineral em garrafas consideradas “esterilizadas”, sem ao menos saber a verdadeira procedência ou como foi engarrafada. Temos como exemplo a água Dias D’Ávila cujo lençol freático está contaminado pelos despejos de produtos químicos lançados pelas indústrias do Pólo Petroquímico de Camaçari.

2 comentários:

Poliana Paixão disse...

Viajei na história da nossa querida Juazeiro com os seus relatos,obrigada!!!

Poliana Paixão disse...

Viajei na história da nossa querida Juazeiro com os seus relatos,obrigada!!!