Em 1957, eu tinha oito anos de idade. Naquela época existia uma antiga rivalidade entre os meninos da rua de baixo e os da rua de cima. Então, reunimos um bom número de colegas do bairro Santo Antonio (rua de cima) onde morávamos, para tomar banho no Angari, próximo do antigo Curtume Campelo e do Matadouro Público. Até então eu não conhecia esse local de banho na margem do Velho Chico. Ali existiam muito angaris e juncos, além de pequenos arbustos que davam umas frutinhas muito gostosas parecendo romãs. Esse local era muito freqüentado por casais que se embrenhavam entre os arbustos e juncos para namoros proibidos.
Era uma tarde ensolarada e a água do rio São Francisco estava convidativa para um mergulho. Ao chegar ao Angari encontramos João Gilberto (atualmente conhecido em todo o mundo como o Pai da Bossa Nova), que era conhecido carinhosamente como “Joãozinho de dona Patú”. Ele ficava a sombra dos arbustos tocando violão para os casais amigos que ali se reuniam para um banho de rio e tomar a famosa “cachaça de Januária” que era conhecida como “Chora na Rampa”.
João Gilberto se fazia acompanhar de uma jovem mendiga uma morena muito bonita, mas com problema mental, conhecida em Juazeiro como “Maria Pezim”, para a qual ele chegou a compôr uma música. Era assim conhecida porque tinha um defeito físico no pé direito. João era muito caridoso e dava esmolas a todo mendigo que batia a sua porta ou que via esmolando pelas ruas de Juazeiro. “Maria Pezim” e seus familiares eram sustentados por ele. Ele sempre se encontrava com ela na margem do São Francisco, no Angari. Joãozinho não aceitava encontrar-se com “Maria Pezim” fora do Angari, porque quando ela o via na rua ou no centro comercial de Juazeiro, gritava: “Joãozinho, meu gostoso!”. Por essa razão João Gilberto se desviava quando a via na rua.
Quando eu conheci João Gilberto ele tinha 26 anos de idade. Ele não se desgrudava do seu violão e andava pelas ruas de Juazeiro com o instrumento nas costas. Por onde ele passava com sua viola nas costas, algumas pessoas que não entendiam o valor da música exclamavam: “Olha aonde vai o louco!”, o que o deixava indignado. O vi pela primeira vez no Angari tocando violão, cujo som eu aprendi a gostar. A partir daquele dia em que o conheci, passei a assistir, ao pé dos postes das bocas de auto-falantes do serviço de som do comerciante “Seu Grosso” aos seus programas musicais que eram apresentados ao vivo. A sede do serviço de som de auto-falantes ficava na esquina com a Rua do Paraíso, no bairro Santo Antonio. O programa musical era apresentado com a participação de Anízio, Maninho Budogle e Edésio Santos. Este último músico foi o professor de violão de João Gilberto. O dinheiro que ele ganhava da música, fazendo o programa na rádio de “Seu Grosso”, distribuía com os pobres que lhe batiam a porta em busca de ajuda.
Em 1958, um ano depois que eu havia conhecido o “Papa da Bossa Nova”, por falta de reconhecimento e apoio do Poder Público Municipal e da própria sociedade juazeirense, ele foi ao Rio de Janeiro, onde lançou o seu primeiro disco, estourando nas paradas de sucesso com a música “Saudade”.
Conhecida como “Bossa Nova”, a moderna música popular brasileira que até hoje está no auge em todos os países do mundo, foi criada em Juazeiro, no Angari, por João Gilberto, no início dos anos 60. Antes do ritmo criado por Joãozinho de dona Patú, a música cantada no Brasil era importada da Itália. O que vale dizer que até o ano de 1960, os cantores brasileiros cantavam em ritmo castelhano. Enfim, João Gilberto, hoje com fama internacional, foi o responsável pela revolução da música popular brasileira. Na música ele é o “rei da harmonia”. Normalmente, ele passava cerca de quatro anos trabalhando um disco antes de lançá-lo na praça.
A “Bossa Nova” de João Gilberto cujo nome próprio é João Gilberto do Prado Pereira de Oliveira, abriu espaço para o surgimento de cantores famosos como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Peninha, Wanderley Cardoso, Erasmo Carlos, Waldick Soriano, Maria Betânia, Vanderléia, Jair Rodrigues, Elis Regina, Altemar Dutra, Sérgio Reis e tantos outros.
Meu último encontro com João Gilberto foi em 1981, quando ele veio a Juazeiro ao tomar conhecimento da morte de sua mãe. Ele contou-me que desde aos cinco anos tinha tendências para a música, e aos 10 anos de idade ganhou o primeiro violão como presente de aniversário do então prefeito de Salvador, Epaminondas dos Santos Torres, que era casado com sua tia, Maria do Prado Torres.
Nesse nosso último encontro, fiquei sabendo que João teria se casado duas vezes e teve apenas um casal de filhos. Sua primeira mulher foi Astrude, que teve Marcelo. A segunda foi Eloísa, irmã do cantor Chico Buarque, que teve Isabelzinha.
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